No dia do índio, nossa homenagem reproduzindo um artigo escrito em 2008 por Paulo Lima, do Projeto Saúde e Alegria
Foto: Caetano Scannavino
Eu deixei de ser um homem isolado ou, para os antropólogos, pertencente à um povo isolado. Isso, em parte porque, desde menino tenho quase fascinação por rádios, ondas curtas, radioamadorismo, propagação, antenas, etc. Com o tempo acumulei algum conhecimento sobre isso e, em razão dele e de estar no lugar certo na hora certa acabei recebendo o convite para avaliar a implementação de um sistema de comunicação via rádio junto aos Zo´é.
Não se trata uma viagem trivial. Pegar um avião mono motor e, depois de uma hora de bastante emoção, pousar num pista de pouso de chão batido, na Frente de Proteção Etnoambiental Cuminapanema. Lá está a vida dos Zo´é, um grupo indígena de cerca de 250 pessoas que preservam em muito as suas tradições e modo de viver.
A reserva etnoambiental fica nos municípios de Óbidos e Alenquer a 253 quilômetros de Santarém, Pará, em linha reta. Não existe acesso fluvial, só aéreo ou dias de pernada, como se diz entre os indigenistas. Na reserva só se pode entrar com autorização da Funai e o que você faz lá dentro é acompanhado de perto pelo coordenador do posto e pelos cinco funcionários da Funai. O coordenador do posto, João Lobato, é uma figura de grande importância na manutenção da cultura Zo´é e no controle dos contatos deles com a cultura ocidental. Volto a falar dele mais adiante.
Os Zo´é tiveram contato “oficial” com os brancos em meados da década de 1980. São caçadores, coletores e cultivam a mandioca. Tem uma cosmogonia complexa que, pela pouca compreensão do idioma, é cercada de suposições baseadas na observação.
No primeiro momento, quando você sai do apertado mono motor muito bem pilotado pelo experiente Comandante Walter, os Zo´é logo se aproximam, na curiosidade de saber quem são os visitantes e o que trazem. Já nesse primeiro contato a sensação é de descoberta de uma estética e um forma de se relacionar entre seres humanos impactante. Os Zo´é são grandes, porte físico bem definido e uma enorme facilidade em sorrir. O adorno que usam abaixo do lábio inferior são a sua marca étnica e são gradualmente colocados como alargadores a partir da segunda dentição, crescendo de tamanho aos poucos. Chamam-se m’berpót e são feitos a partir de uma árvore nativa, o Poturú. Não usam vestimentas, apenas um laço no pênis e as mulheres uma tiara. Aparentam o que se pode imaginar um estado de constante felicidade. A curiosidade é maior que tudo e as primeiras perguntas são acompanhadas do toque, do tato sobre o que é incomum para eles. O tato sobre a minha farta calva é diversão na certa.
Os Zo´é tem uma especial curiosidade sobre a família ou sobre como nos organizamos como agrupamentos. Os funcionários da Funai tem algum domínio do idioma, o coordenador do posto tem um conhecimento bastante aprimorado do idioma e a todo instante negocia com eles sobre temas dos mais comezinhos à questões complexas como o contato com os índios Wai-Wai que tentam levar a mensagem missionária evangélica para dentro da reserva. As perguntas aos visitantes, ainda no caminho até a sede da Frente continuam. Na língua deles querem primeiro saber seu nome. Ao ouví-lo quase todos que estão por perto o repetem. Como os orientais, têm dificuldades de pronunciar a letra L, daí que eu ouvi muito, “Pauro, Pauro, Pauro”, acompanhado por um abraço ou uma mão de criança sugerindo caminhar junto. Depois vem o interesse sobre esposa e filhos. Sempre riem quando a resposta é uma esposa ou um filho só. Aplicada a pergunta a eles tanto homens como mulheres respondem muitas vezes três para maridos ou esposas e cinco, com muito orgulho na expressão, sobre filhos. Os Zo´é quando contatados eram 133 em 1991.
A curiosidade e a liberdade com que vivem no contato com a natureza e com seus corpos é igualmente desafiadora para quem traz as culpas e as travas da religião. As cores com que algumas vezes se pintam (como algumas mulheres completamente cobertas com um vermelho de urucum) impressionam pela beleza e graça. Assim que você chega o João Lobato, coordenador da Frente há cerca de 12 anos, orienta o visitante sobre o comportamento que devemos ter entre os Zo´é. Entrega duas páginas impressas com um conjunto de “mandamentos” para a fruição, sem danos, da cultura, modo de viver e desenvolvimento daquela gente. Leia o resto desse post »