Sobre a decisão do Terre des Hommes pela saída do Abaré da Região do Tapajós
Manifestação dos trabalhadores rurais realizada hoje (13) em Santarém por melhores condições no campo. Entre as reinvindicações, a permanência do Abaré na região
Por Caetano Sacannavino Filho (*)
Lamentamos profundamente a decisão da Organização holandesa Terre Des Hommes (TDH) – proprietária do navio-hospital Abaré – pela saída abrupta da embarcação de nossa região, conforme comunicado oficial encaminhado no ultimo dia 2/fev à Secretaria Municipal de Saúde (SEMSA) de Santarém. Esta medida trará consequências graves à saúde dos 15 mil ribeirinhos de comunidades carentes e remotas do Tapajós, que ficarão desassistidos já que não existe no curto-prazo um barco substituto.
Há de se reconhecer o importante apoio do TDH através de uma cooperação iniciada em 2001 com PSA, determinante para alavancar o desafio que vimos empreendendo desde 1987 para construção de um modelo de saúde básica adaptado ao contexto amazônico, resoluto, participativo e passível de integração com as politicas publicas.
Com o inicio em 2006 das operações do Abaré em parceria com as Prefeituras de Santarém, Belterra e Aveiro, deu-se o passo que faltava neste sentido. A partir de rodadas regulares de atendimento e educação preventiva, foram alcançados resultados significativos na melhoria da saúde comunitária.
A iniciativa bem sucedida se tornou politica publica nacional em 2010 com o lançamento pelo Ministério da Saúde (MS) da Portaria 2.191 – Saúde da Família Fluvial – que regulamenta e prevê recursos federais aos municípios de toda Amazonia e Pantanal interessados na replicação da experiência por meio de barcos-hospitais – motivo de orgulho aos envolvidos pois o que foi semeado no Tapajós estará beneficiando milhares de comunidades de outras regiões.
No entanto, não podemos ficar omissos em relação a forma pouco respeitosa com que os atuais responsáveis pelo Projeto Abaré junto ao TDH procederam as tratativas com as Instituições de nosso país, sem a flexibilidade necessária para se buscar alternativas seja para permanência definitiva da embarcação no Tapajós (como prometido no inicio da cooperação) ou ao menos até que se conseguisse um barco substituto e operante, o que demonstra falta de compromisso com a saúde dos ribeirinhos (o mais importante), com o que se construiu ao longo dos anos e com o ônus causado aos atores envolvidos antes parceiros – Governo Federal, Prefeituras, Conselhos, PSA e representações comunitárias.
Em setembro de 2011, fomos comunicados pelo TDH da sua intenção em encerrar a parceria bilateral com o PSA ao final do ano. Com a crise econômica europeia, podíamos até prever o fim da cooperação conosco, mas não imaginamos que isto significaria também a saída do Abaré de nossa região a partir de 2012, uma vez que a embarcação foi certificada em dez/10 pelo MS como a primeira Unidade de Saúde da Família Fluvial (USFF) do país – constituindo um arranjo publico-privado integrado ao SUS – cujas ações assistenciais desde então vinham sendo operadas sob a liderança da Prefeitura de Santarém (proponente da Portaria 2.191 junto ao MS) em acordo com os demais municípios, com recursos federais assegurados da ordem anual de meio milhão de reais, estando o PSA responsável apenas pelas atividades complementares de saúde (campanhas educativas, receptivos de voluntários, apoio logístico, etc).
Compreendemos a decisão relativa ao PSA, mas insistimos com o TDH para que estabelecessem tratativas diretamente com os Municípios no sentido da renovação do arranjo publico-privado para 2012, mesmo sem a nossa participação, já que havia a garantia dos recursos da Portaria 2.191 e o mais importante era evitar a interrupção dos serviços assistenciais junto as comunidades.
No entanto, não houve nenhum comunicado oficial dos holandeses aos Municípios e, diante de todas informações e documentações repassadas por nós, a Prefeitura de Santarém teve a iniciativa de entrar em contato com o TDH na busca de soluções, mas este sempre respondeu de forma evasiva, pouco clara, as vezes contraditória, ora dando a entender que aceitariam manter o barco por mais 6 meses e solicitando propostas, ora voltando atrás criando obstáculos burocráticos injustificáveis, enfim, uma estratégia quem sabe para ganhar tempo até a virada do ano. Isto sem falar que a principal alegação para a decisão tomada era a entrada em operação de um segundo barco – no caso, o Abaré II – o que não procede, diante de inúmeros relatórios e correspondências esclarecendo-os que o mesmo é de menor porte e foi projetado para atender cerca de 2 mil famílias da bacia do Rio Arapiuns, cuja navegabilidade é bem menos complexa.
Diante da magnitude do problema, é importante ainda ressaltar que durante todo este período, em momento algum veio um representante deles para tratar pessoalmente do assunto. As comunicações ocorreram a distancia, via correio eletrônico, com respostas espaçadas ao longo do tempo. E nem o PSA nem as Prefeituras dispõem até o momento de uma resposta oficial relativa ao destino do Abaré, mesmo após inúmeros pedidos de esclarecimentos.
Não estamos negando a propriedade do Abaré pelo TDH, tampouco o seu direito de tomar decisões, por mais opostas que sejam. Mas a boa fé de uma Cooperação implica em compreender a conjuntura, as regras de convivência, os princípios de igualdade, atuar de forma transparente, ceder quando necessário, ter o bom senso do aviso-prévio realista e factível, entre outros procedimentos, que jamais podem se distanciar do objetivo-fim de uma parceria que envolve uma conjunto de atores – no caso, a saúde dos ribeirinhos. Portanto, ter a flexibilidade necessária para, mesmo desejando deslocar a embarcação para outra região, ser também partícipe com os demais envolvidos na busca de uma solução que evite a interrupção dos serviços assistenciais e estabeleça um processo de transição menos traumático.
Nada contra novos projetos ou a construção de um outro barco pela cooperação holandesa se o Terre Des Hommes deseja operar em outras regiões. O difícil de entender é que, para isso, teremos a quebra de um compromisso com os ribeirinhos do Tapajós a partir de um projeto resoluto, premiado e exitoso, com envolvimento e recursos públicos assegurados, símbolo de uma nova politica de saúde para toda região, referencia em nosso país e de Instituições como o Banco Mundial e a Organização Mundial de Saúde.
Diante do exposto, vimos a publico manifestar nosso apoio às comunidades e autoridades de nosso país no sentido de se buscar uma solução para a saúde dos ribeirinhos do Tapajós. Diante do comunicado em 2/fev dos interlocutores do TDH junto ao Projeto Abaré anunciando sua saída da região, encaminhamos em seguida uma carta ao Conselho Mundial de Gestão e Fiscalização do Terre Des Hommes – que talvez não esteja devidamente informado da situação – manifestando nossa discordância com a decisão tomada e solicitando que revejam sua posição de modo a reestabelecer as negociações com a Prefeitura de Santarém e demais Instituições envolvidas.
Visamos como isto:
– Em primeiro lugar, a disponibilização imediata do Abaré para retomada dos atendimentos (principal compromisso) e manutenção da Portaria 2.191 vigente;
– Em segundo lugar, aprofundar as tratativas para um encaminhamento definitivo (nacionalização ou permanência até um barco substituto entrar em operação) a partir de um Plano de Transição factível e acordado entre as partes.
Esperamos que os membros do Conselho de uma organização internacional que opera no Brasil – país historicamente com excelentes relações com a Holanda – se sensibilizem com a situação e resgatem o bom senso de uma parceria até então muito bem sucedida, que trouxe resultados significativos e benefícios determinantes para nossa região.
Santarém, 13 de fevereiro de 2012
Caetano Scannavino Filho
* Coordenador do Projeto Saúde & Alegria
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