Aliança entre presidentes socialistas e um pragmático

30 de janeiro de 2009 por Paulo Lima

Por Mario Osava, especial para IPS/TerraViva

Um presidente pragmático, Luiz Inácio Lula da Silva, e quatro colegas sul-americanos de esquerda mostraram discrepâncias em suas perspectivas diante da crise econômica mundial, em mesa em que se juntaram na noite desta quinta-feira (29/01), no âmbito do Fórum Social Mundial (FSM).

Enquanto os presidentes Rafael Correa, do Equador, e Hugo Chávez, da Venezuela,corroborados por Evo Morales, da Bolívia, afirmaram estar construindo o “socialismo do século XXI” como a única solução para a crise, condenando o capitalismo, Lula defendeu acordos comerciais para aumentar as exportações, ajuste financeiro e investimentos estatais para evitar a recessão e o desemprego.

Fernando Lugo, do Paraguai, em discurso não tão claro, falou em promoção das potencialidades da América Latina, em integração de nações e não de comércio, saudando o FSM como a origem e o difusor de idéias e propostas que ajudaram a levá-lo à presidência de seu país em 2008, derrotando um regime autoritário que já durava 60 anos.

Relembrou como guia a canção “Pra não dizer que não falei das flores”, do compositor brasileiro Geraldo Vandré, que organizou protestos e ações revolucionárias nas décadas de 1960 e 1970. Mencionou os versos que falam em “seguir a canção, aprendendo e ensinando uma nova lição”, porém omitiu o verso mais incendiário, “quem sabe faz a hora, não espera acontecer”.

Lula reconheceu ter “divergências” com seus colegas, mas se referia a disputas concretas como a nacionalização de hidrocarbonos na Bolívia, que afetou investimentos da estatal brasileira Petrobras, e a reivindicação paraguaia de melhor remuneração para a energia da central hidrelétrica de Itaipu, compartilhada entre Brasil e Paraguai.

Lugo foi mais diplomático na presença de Lula, nesta ocasião, do que em um encontro anterior dos quatro presidentes anticapitalistas que propõem movimentos sociais, organizado pela Via Campesina, que não convidou o presidente brasileiro ao “diálogo” entre os promotores e simpatizantes da Alternativa Bolivariana para as Américas (ALBA), encabeçada por Chávez.

O novo presidente paraguaio apenas mencionou que Itaipu representa 85% de toda a energia exportada na América do Sul, e deve abrir “novas portas ao desenvolvimento econômico e social”, em relações “equilibradas e solidárias” entre os países.

O Brasil também enfrentou atritos diplomáticos, já superados,com o Equador, por conta da expulsão de una empresa privada brasileira por supostas irregularidades na construção de una central hidroelétrica equatoriana.

Lula destacou a boa convivência com seus colegas e a solução de disputas no “jogo da verdade” das negociações. Porém, se mantém distante da ALBA e da visão que identifica uma “crise do capitalismo” nas atuais crises financeira, ambiental e energética que o mundo enfrenta.

Em seu discurso, diante de dez mil pessoas que se apertavam no centro de exposições Hangar, o presidente brasileiro acusou os banqueiros e a especulação desenfreada de provocarem a crise financeira. A regulação dos bancos e uma “nova ordem econômica internacional” são suas receitas.

Anunciou grandes investimentos da Petrobras e um programa de construção de 500 mil moradias este ano para evitar mais desemprego. O Estado ampliará seus investimentos e a participação na economia, porque “aqui o pobre não pagará pela crise”, sustentou o presidente.

Lamentou que a Rodada de Doha, de negociações da Organização Mundial de Comercio (OMC), tenha fracassado, porque “os países pobres, sobretudo a África”, ganhariam mais mercados para suas exportações. Recordou inclusive ter recomendado ao ex-presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, que salvasse Doha e portanto também sua biografia.

O livre comércio e a OMC não contam com simpatias entre seus colegas de esquerda. O equatoriano Correa, que fez um longo e enfático discurso explicando o “socialismo do século XXI”, para uma audiência que pouco entende o espanhol, defendeu “políticas comuns” no lugar do comércio como fator de uma integração mais justa.

Chávez, ao contrário, afirmou ser o socialismo “o único caminho para salvar o planeta” e que “outro mundo está nascendo na América Latina” que, em décadas passadas, foi o “laboratório que levou a receita do capitalismo neoliberal mais a fundo que outras regiões”. Identificou uma “onda revolucionária” na região.

“Se uma alternativa não for construída, o capitalismo destruirá o mundo”, sentenciou Morales, para propor quatro campanhas mundiais, uma por “justiça e paz” para que este seja o século do “fim das guerras imperiais”, outra por uma nova ordem econômica de “complementaridade entre nações”.

A terceira campanha teria por finalidade “salvar a Mãe Terra” do capitalismo e seus padrões de consumo. O respeito pela identidade e diversidade cultural completa suas propostas.

A mesa sobre impactos e perspectivas da crise na América Latina foi formalmente promovida pela Central Única dos Trabalhadores, maior organização sindical brasileira, e por organizações não-governamentais, Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase) e Instituto Paulo Freire.

A governadora do Pará, Ana Júlia Carepa, anfitriã do encontro, destacou o amplo programa de reflorestamento que promove em seu Estado, um dos mais desmatados da Amazônia, e a redução da violência criminosa em sua zona rural, conhecida pelos numerosos assassinatos de camponeses e pelos conflitos agrários.

Representantes de movimentos sociais, entre os quais uma representante de Burquina Faso e uma indígena andina, reclamaram maior proteção social e respeito para os povos nativos, para os trabalhadores e para o ambiente.

+Fórum Social Mundial 2009 (http://www.fsm2009amazonia.org.br)
+Presidência do Brasil (http://www.presidencia.gov.br) em português
+Presidência da Venezuela (http://www.presidencia.gob.ve)

Crédito de imagem: TerraViva

(Envolverde/IPS/TerraViva)

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