História de Jornalista: Hoje é dia do Santo Namorador de Boim
31 de julho de 2013 por Paulo Lima
Com autorização do Prof. Manuel Dutra, republicamos aqui a Matéria que saiu no Jornal O Liberal de Belém em 9 de agosto de 1987. A matéria não retrata a realidade atual da Vila de Boim e busca ressaltar a originalidade e grande criatividade que a caracteriza. É um texto rico de histórias e lendas da Amazônia, de seus habitantes, de suas dificuldades e seu imaginário.
Fonte: Blog do Prof. Manuel Dutra
História de jornalista: hoje é dia do santo namorador de Boim
Por M. Dutra – Pouco lugar no mundo tem tanta história para contar. Cada esquina da vila, cada vereda, cada árvore centenária, cada touceira de tucumã representam, na cabeça dos moradores de Boim, especialmente dos mais velhos, ‘causos’ materializados em tempos idos ou que se repetem no presente. As frestas abertas pelo progresso distante eliminaram da convivência diária, e “real”, personagens como o velho boto de mil tropelias, o jurupari, o patauí, o padre-sem-cabeça, o bicho-do-mato, os assobios misteriosos que assustavam a vila nas madrugadas quentes de verão.
Embora o jurupari não sugue mais o miolo das pessoas com a grande boca que tem acima do umbigo, nem o bicho-do-mato carregue mais as mocinhas para as capoeiras, o boto ainda dá o ar de sua graça. Hoje em Boim há dois filhos de boto, duas crianças albinas que não suportam a luz do sol, pela hipersensibilidade dos olhos à luz. Neste caso, os mais jovens preferem chamar, em vez de filhos do boto, a classificação mais realista de filhos de puta.
Contrastando com a exuberante beleza do Rio Tapajós, as comunidades situadas em suas margens caracterizam-se pela extrema pobreza. A antiga importância de Boim, como ponto de apoio dos regatões, concentrou no lugar a pecha de faminto. Ainda são correntes as histórias de quando um “gaiola” se aproximava para pegar lenha no Pau-de-Letra, uma ponta de areia próxima à vila, o vapor apitava: “Boiiiimmm, Boiiimmm”, a que os cachorros do lugar respondiam, correndo para a beira do rio: “fome, fome, fome”. E o galo cantava: “sempre foi assiiimmm…” Tido e havido como um rio pobre, hoje sabe-se que essa pobreza caracteriza seus habitantes porque não dominam, ainda, as técnicas mínimas de pesca e não dispõem de meios para aproveitar os ricos cardumes da região.
Porém, a partir do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, eles começam a protestar contra a penetração de barcos-geleiras que adentram o rio para encher seus depósitos com o melhor tucunaré que existe no Baixo Amazonas, com o filhote e a dourada. O tracajá também atrai os pescadores de fora. A população sobrevive tradicionalmente da pequena produção da farinha de mandioca, da caça e da extração cada vez mais difíceis e da captura de pequenos peixes com os apetrechos os mais rudimentares.