Medicina com alta tecnologia chega aos índios isolados Zo’é

18 de fevereiro de 2010 por Fábio Pena

Uma equipe especializada de cirurgiões prestou atendimento ao povo indígena Zo’é em uma tarefa que foi muito além da medicina. Além de enfrentar o isolamento, o trabalho respeitou a cultura da tribo e deixou lições que os médicos nunca mais vão esquecer.

Um fato inédito ocorreu na Terra Indígena Zo’é, noroeste do Estado do Pará. Nos dias 14 e 15 de janeiro foram realizadas cirurgias por videolaparoscopia para a remoção de colecistopatia, mais popularmente conhecida como pedra na vesícula. Situada entre os rios Cuminapanema, Urucuriana e Erepecurú, noroeste do Estado do Pará, a Frente de Proteção Etno-Ambiental Cuminapanema trabalha com 251 indígenas da etnia Zo’é, divididos em 11 aldeias, habitantes de seu território de ocupação imemorial.

A necessidade cirúrgica foi inicialmente diagnosticada por ultrassonografias, feitas com equipamento portátil e na própria área indígena, o que indicou o problema em quatro mulheres Zo’é. O procedimento foi minimamente invasivo, o que permitiu um pós-operatório quase indolor e com pronto restabelecimento, possibilitando liberação dos pacientes em menos de 24 horas. Acredita-se que a alimentação dos Zo’É, rica em castanha-da-amazônia e gordura animal, favoreça o aparecimento das pedras, com mais frequência em mulheres. A doença, quando agravada, pode levar a óbito pela infecção na vesícula biliar ou obstrução da via biliar principal.

Atualmente o povo Zo’é apresenta um índice de mortalidade infantil zero. A incisiva e contínua ação e promoção do quadro de saúde coletiva se dá por meio de investimento em infraestrutura de atendimento na própria área, tecnologia em equipamentos (recursos laboratoriais, cirúrgicos e para atendimento de emergências vitais), estoque de medicamentos atualizado, disponibilidade de profissional de saúde em área, em tempo integral, e estrutura de telecomunicações em caso de urgência, com sólida rede de profissionais médicos colaboradores e instituições relacionadas para o atendimento emergencial, quando necessário.

O empenho no aprendizado da língua nativa e busca permanente pela valorização da estrutura sócio-econômica autônoma dos Zo’é, permite romper com práticas de assistencialismo, que promoviam a dependência. Concomitantemente à autonomia produtiva e alimentar, o diálogo em sua própria língua e o profundo respeito às suas formas sociais promoveram a autoestima cultural e o reconhecimento coletivo da importância da perpetuação de sua autonomia produtiva e práticas milenares, como o cerne de sua sobrevivência e qualidade de vida, refletindo positivamente na saúde, nos padrões de ocupação territorial, na conservação ambiental e na centralização da forma de vida Zo’é como a essência de sua autonomia e direito étnico. O Chefe da Frente de proteção Cuminapanema, João Lobato, que trabalha na região há mais de 10 anos, destaca a importância desse povo. Para ele, “o Zo’é hoje se constitui ainda numa possibilidade de entendermos e/ou melhorarmos a nossa relação com outros povos indígenas, que ainda virão, enquanto isolados. E também rever a possibilidade de conhecer melhor outros povos”.

Todo o procedimento só foi realizado com a colaboração do Dr.Erik Jennings Simões, coordenador em saúde da Frente Cuminapanema, do Dr. Alan Soares e Dr. Bruno Moura, médicos radiologistas do Hospital Regional do Oeste do Pará, Dr. Fábio Tozzi, cirurgião do Projeto Saúde e Alegria e médico colaborador junto aos Zo’é, do Dr. Marcelo Averbach, cirurgião, e do anestesista Dr. Enis Donizetti Silva, ambos do Hospital Sírio-Libanês (SP), instituição que emprestou o videolaparoscópio e todo o aparato tecnológico. Para adaptar o Centro de Saúde da Terra Indígena Zo’é foi preciso da ajuda do Dr. Paulo Haiek, cirurgião do Hospital Universitário da Paraíba e Hospital Santa Izabel, que disponibilizaram parte dos materiais. Em área, os cirurgiões receberam integral apoio técnico e linguístico da enfermeira Suely de Brito Pinto, da Frente Cuminapanema.

Memória

Os Zo’é tornaram-se publicamente conhecidos no final dos anos 80 (inicialmente chamados “Poturús”) como um dos últimos povos da Amazônia a entrar em “contato efetivo” com a sociedade ocidental. No início da década de 80, missionários da Missão Novas Tribos (MNTB), dispuseram-se a atraí-los com fins evangelizadores, a revelia de autorização do estado. Esta relação proselitista perdurou por alguns anos e deixou sequelas coletivas, sobretudo altíssimas taxas de morbi-mortalidade. Em 1991, a FUNAI retirou legalmente a MNTB do território Zo’é, assumindo a assistência exclusiva daquela população. Mesmo sabendo da existência do povo Zo’é, foi na década de 90 que a Funai conseguiu a interdição imediata do território, inicialmente conhecido como Área Indígena Cuminapanema-Urucuriana e, posteriormente, demarcado como Terra Indígena Zo’é, com 668,5 mil hectares. Além de garantir a demarcação da terra indígena, a Funai se empenhou em adicionar legalmente faixas de proteção ambiental no entorno do território indígena, implantando o princípio jurídico-ambiental de “zonas intangíveis” para conservação e reprodução segura dos espécimes da flora e fauna e preservação de recursos hídricos.

Lições de vida

O sucesso da expedição trouxe lições que vão além do que medicina especializada pode promover. “Quando estávamos na área soubemos do nascimento de uma criança Zo’é, de parto normal, na rede, que aumentou para 251 a população da tribo”, contou o Dr. Fábio Tozzi.

“Nos dias em que estivemos lá, a convivência com um povo tão evoluído socialmente como os Zo’é faz a gente refletir como nossa civilização ainda tem de aprender e evoluir. Observar a vida simples desapegada do consumismo, o amor na criação dos filhos, o respeito com os índios mais velhos e a harmonia nas aldeias, a vida simples e ligada a natureza, são coisas que nos ensinam mais do aquilo que pudemos levar àquele povo”, completou Tozzi.

Nota: com informações da Funai (http://www.funai.gov.br/ultimas/noticias/1_semestre_2010/fevereiro/un2010_07.html)
E do release revisado por João Lobato e Rosa Cartagenes e aprovado pela CGIIRC-Funai.

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